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Maioridade Civil e exoneração de alimentos no novo Código Civil - Dr. Otacilio Vieira Neto


Artigo

Maioridade civil e exoneração de alimentos no novo Código Civil




INTRODUÇÃO

Com a mudança da maioridade civil trazida pelo novo Código Civil surgiram diversas dúvidas em relação ao alcance de tal alteração, sendo que uma delas diz respeito aos efeitos que tal medida terá em virtude da antecipação da extinção do poder familiar e conseqüente cessação do dever de sustento que gera a obrigação alimentar decorrente do poder familiar.

Iniciada a vigência do novo Código Civil, certamente este tema será amplamente debatido em nossos Tribunais, posto que a nova lei não trouxe em seu contexto qualquer menção acerca do alcance de tal mudança no que concerne aos alimentados que têm entre 18 e 21 anos na data do início da vigência da nova Lei Civil.

Destarte, neste trabalho será rapidamente analisada a diferença entre pensão alimentícia decorrente do poder familiar e aquela proveniente da relação de parentesco, para depois ser estudado aquilo que pode mudar em relação à exoneração de alimentos pela extinção do poder familiar.









1 – PENSÃO ALIMENTÍCIA EM DECORRÊNCIA DO PODER FAMILIAR

O poder familiar (novo Código Civil, arts. 1630 a 1638) dá aos pais diversos direitos para que possam criar seus filhos sob proteção do Estado, mas, por outro lado, faz com que os pais tenham diversos deveres, entre os quais está o dever de sustento.

De se notar que o dever de sustento não deve ser confundido com a obrigação alimentar decorrente do parentesco (novo Código Civil, art. 1694), posto que naquele "a precariedade da condição econômica do genitor não tem o condão de exonerá-lo dessa obrigação, que subsiste sempre enquanto perdurar o pátrio poder, mesmo que já estando o filho, pela sua idade, apto para o trabalho em face da legislação específica".

Destarte, o dever de sustento não requer uma prestação em dinheiro, mas sim o cumprimento da obrigação genérica de alimentar os filhos, transformando-se em prestação pecuniária somente quando não há possibilidade de ambos os pais conviverem sob o mesmo teto ou, ainda, quando mesmo assim convivendo um se negue a contribuir com o necessário para a sobrevivência do filho(a).


    Em nossa codificação civil anterior (Código Civil de 1916), o dever de sustento decorrente do exercício do poder familiar (naquele Código denominado pátrio poder) era encontrado na disposição do artigo 231 que trazia entre os deveres de ambos os cônjuges o de "sustento, guarda e educação dos filhos" (inciso IV).

    No mais, o dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores consta expressamente na Constituição Federal (art. 229, 1ª parte), bem como no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) que assim dispõe: "Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais".

    Já o novo Código Civil determina o dever de sustento nos artigos 1566, inciso IV e 1724, sendo o primeiro referente aos deveres dos cônjuges no casamento e o segundo referente aos deveres dos companheiros na União Estável, de tal sorte que a única diferença que realmente traz é a mudança da maioridade civil para 18 anos (novo Código Civil, art. 5º), a qual gera como conseqüência a antecipação da extinção do poder familiar (novo Código Civil, art. 1635, inc. III), a qual será logo mais estudada.









    2 – PENSÃO ALIMENTÍCIA EM DECORRÊNCIA DO PARENTESCO

    O Código Civil anterior (de 1916) trazia em seus artigos 396 a 405 regra concernente à obrigação de prestação alimentícia decorrente da relação de parentesco, sendo que a pensão alimentícia entre cônjuges ou companheiros era tratada em leis extravagantes.

    Diverso foi o entendimento do legislador ao estabelecer regras referentes à pensão alimentícia no Código Civil vigente, posto que ao tratar do tema nos artigos 1694 a 1710 estabeleceu no caput do artigo 1694 que "Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender as necessidades de sua educação".

    Destarte, deve ser observado que "na sistemática proposta, em um só subtítulo, entre os artigos 1694 a 1710, trata-se promiscuamente dos alimentos, quer tenham eles origem na relação de parentesco, quer sejam conseqüentes do rompimento do casamento ou da convivência", de tal modo que subsiste como direito alimentar especial apenas aquele decorrente do poder familiar.

    No mais, deve ser observado que não são todos os parentes que estão ligados pela obrigação alimentar, mas apenas os "ascendentes, descendentes maiores, ou adultos, irmãos germanos ou unilaterais e o ex-cônjuge, sendo que este último, apesar de não ser parente, é devedor de alimentos ante o dever legal de assistência em razão do vínculo matrimonial. Além disso, dissolvida a união estável por rescisão, o ex-companheiro, enquanto tiver procedimento digno e não vier a constituir nova união (CC, art. 1708 e parágrafo único), sendo o concubinato puro, poderá pleitear alimentos ao outro, desde que com ele tenha vivido ou dele tenha prole, provando sua necessidade por não poder prover sua subsistência".

    Por fim, não podemos olvidar que os alimentos deverão sempre ser fixados com observância do binômio necessidade-possibilidade (novo Código Civil, art. 1694, § 1º), posto que não se pode onerar o parente obrigado de modo que este não possa suportar o encargo sem prejuízo de sua própria subsistência.






    3 – POSSIBILIDADES DE EXONERAÇÃO

    Em regra, há possibilidade de exoneração do encargo alimentar quando o alimentado deles não mais necessita ou o alimentante não mais os pode prover por alterações em suas possibilidades supervenientes à Sentença que fixou os alimentos.

    No entanto, quando a pensão é decorrente do poder familiar, no mais das vezes, a obrigação se extingue com a maioridade civil do alimentado, posto que alcançada esta se extingue automaticamente o poder familiar (novo Código Civil, art. 1635, inc. III).

    Aliás, este é o tema central deste trabalho, pois com a entrada em vigor do novo Código Civil a maioridade civil que era alcançada aos 21 anos (Código Civil de 1916, art. 9º) passou a ocorrer aos 18 anos (novo Código Civil, art. 5º), dando ensejo a diversas discussões acerca do alcance de tal mudança.

    Neste esteira, deve ser lembrado o que diz a respeito o artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/42): "A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada", bem como o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", assim dever ser observado que entre nós a lei é retroativa, sendo respeitados apenas o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, de tal sorte que a disposição contida no artigo 5º do novo Código Civil deve ser aplicada imediatamente, possibilitando a exoneração da pensão alimentícia do pai ou mãe que preste alimentos a filho(a) maior de 18 anos, posto que mesmo que a Sentença tenha sido prolatada na vigência do Código Civil anterior (de 1916) não há que se falar em direito adquirido de receber pensão alimentícia até os 21 anos, salvo se da sentença constou expressamente que os alimentos seriam prestados até referida idade.

    E mais, devemos observar que não se trata propriamente da lei retroagir, posto que a possibilidade de exoneração após os 18 anos surgiu com o início da vigência da nova lei, ou seja, anteriormente a esta o filho(a) menor tinha apenas uma expectativa de direito de receber a pensão até os 21 anos e como é cediço no mundo jurídico "a expectativa, por mais legítima que possa ser, não tem garantia contra a lei nova".

    Veja-se o exemplo de André Franco Montoro diferenciando direito adquirido de expectativa de direito: "diante de uma lei que exclui da sucessão os colaterais a partir do 4º grau, um parente nessas condições, que já herdou porque a sucessão abriu-se antes da nova lei, tem um ‘direito adquirido’, e a nova lei não o atinge. Enquanto no caso de não ter havido ainda a sucessão, os colaterais do 4º grau têm apenas ‘expectativa de direito’; são por isso alcançados pela nova lei e excluídos da sucessão."6 Destarte, o mesmo ocorre com a pensão alimentícia decorrente do poder familiar, ou seja, se este se extingue com a maioridade civil, logo, o dever de prestar aquela também cessa com a maioridade civil, sendo que qualquer mudança nesta alcançará a todos, independentemente da Sentença ser anterior ou posterior à entrada em vigor da lei nova.

    Por outro lado, há que se observar os casos em que mesmo com o advento da maioridade civil a pensão deve ser prestada em virtude do filho continuar a estudar, assim, neste particular o novo Código Civil não traz qualquer alteração, "aliás, ao se estabelecer expressamente que a pensão deve ser fixada ‘inclusive para atender às necessidades de sua educação’ (art. 1694), fácil será sustentar a subsistência da obrigação mesmo após alcançada a capacidade civil aos 18 anos, quando destinado o valor para mantença do filho estudante".7

    Deve, no mais, ser observado que o reconhecimento do direito à pensão alimentícia ao filho estudante maior de 18 anos e menor de 24 anos não decorre do poder familiar, mas sim do parentesco. Acerca do tema oportuno transcrever ementa do acórdão do processo nº 000273857-3/00 (1) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, datado de 24/10/2002: "EMBARGOS À EXECUÇÃO. PENSÃO ALIMENTÍCIA. MAIORIDADE CIVIL DA ALIMENTADA. ESTUDANTE. VÍNCULO DE PARENTESCO. Ainda que se reconheça que a obrigação decorrente do pátrio poder tenha se encerrado com a emancipação da filha, por força do vínculo de parentesco, determinado pelo artigo 3978, do Código Civil brasileiro, persiste o direito à prestação de alimentos, mormente se a alimentada estiver cursando faculdade, e não tiver condições de arcar sozinha com seus custos."

    Assim, a obrigação alimentar decorrente do poder familiar cessa automaticamente com a maioridade civil do alimentado, salvo se este comprovar que é estudante e necessita dos alimentos para adimplir suas despesas escolares, ficando neste caso o alimentante obrigado a prestar alimentos até que o filho complete 24 anos.9

    Por fim, há que se observar que a pensão devida ao filho estudante após completar a maioridade civil fica sujeita à exoneração caso o pai ou mãe tenham sua condição econômica diminuída, de modo que impossibilite a prestação alimentícia sem prejuízo de sua própria subsistência.






    4 – CONCLUSÃO

    Para encetar devemos observar que o principal traço diferencial entre a pensão alimentícia decorrente do poder familiar e a decorrente do parentesco é que naquela, apesar do alimentante pagar de acordo com suas possibilidades, não se verifica a necessidade do alimentado, ou seja, o pai ou a mãe têm a obrigação de prestar alimentos independentemente do filho (a) deles necessitar.

    No que tange ao direito de receber pensão até os 21 anos ser direito adquirido para os casos que tiveram sentença proferida antes do início da vigência do novo Código Civil, entendo que não é o caso, sendo, no máximo, uma expectativa de direito. Senão vejamos: tanto o artigo 229 da Constituição Federal como o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente tratam de "filhos menores", sendo que o artigo 5º do novo Código Civil diz que "a menoridade cessa aos 18 anos completos", e ainda, o inciso III do artigo 1635 do mesmo diploma legal dispõe que o poder familiar se extingue "pela maioridade". Assim, considerando-se que o dever de sustento se funda no poder familiar, não há como aceitar que após a entrada em vigor do novo Código Civil alguém com mais de 18 anos continue recebendo pensão em virtude do poder familiar.

    E mais, mesmo nos casos em que na Sentença constou que a pensão seria paga até que o filho(a) completasse 21 anos, conquanto o alimentado(a) tenha direito a receber a pensão até referida idade em virtude da coisa julgada, completada a nova maioridade civil (18 anos) a pensão deixa de ser decorrente do poder familiar e passa a ser decorrente do parentesco.

    Da mesma forma, há que se observar que a pensão paga ao filho estudante até 24 anos, após este completar 18 anos é decorrente da relação de parentesco e, desta forma, o filho(a) deverá provar sua necessidade.

    Por fim, entendo que, apesar da extinção do poder familiar pela maioridade ocorrer independentemente de declaração judicial, é aconselhável que o pai ou mãe que desejar se ver livre do encargo alimentar após o filho completar a maioridade civil interponha ação de exoneração de alimentos (Note-se que há quem admita que tal pedido seja feito nos autos do processo em que foram fixados os alimentos), na qual poderá ser requerida a tutela antecipada nos termos do artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil, mesmo que seja apenas parcial para efeito de que as pensões sejam depositadas judicialmente até final decisão do processo.



    Notas

    1 – SANTOS NETO, José Antonio de Paula. Do Pátrio Poder, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 110. (citando lição do grande mestre Yussef Said Cahali)

    2 – Extraído do texto de Francisco José Cahali in Direito de Família e o Novo Código Civil, 2ª ed., obra coordenada por Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Editora Editora Del Rey, 2001, p. 194.

    3 – DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5 : direito de família, 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 469.

    4 – RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, v. 1, 30ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 31.

    5 – NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p.205.

    6 – MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, 25ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 395.

    7 – Extraído do texto de Francisco José Cahali in Direito de Família e o Novo Código Civil, 2ª ed., obra coordenada por Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, Belo Horizonte: Editora Editora Del Rey, 2001, p. 196/197.

    8 – No novo Código Civil artigo 1696.

    9 – DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 468/469.

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